terça-feira, 21 de setembro de 2010
INTEMPERANÇA(ou Uma para Wania Cristina)
Lembro-me agora do dia em que eu, numa vã tentativa de conseguir a total autonomia financeira, me apresentei na secretaria de transportes da prefeitura municipal: sentado num banco, esperei por mais de quarenta minutos sem que ninguém me notasse – um pessoal analisando papéis, indo e voltando de uma sala para outra, apressados, sem parar. Garanto que Hemingway, numa situação dessas, já teria dado um murro em alguém. Será que ninguém me via? Notei então que, sentado lá no canto, pesando mais ou menos uns 150 quilos, uma espécie de sósia de Barry White olhava para mim.
- Já foi atendido? – ele perguntou.
- Sou Rodriguez – respondi, me empertigando todo -, o novo contratado. Mandaram um aviso, era para eu aparecer por aqui.
Ele se levantou e caminhou até a parede, onde enxerguei algumas folhas de papel dependuradas, nomes e números, dezenas deles. Ficou olhando para aquilo por um bom tempo, murmurando algo.
- Rodriguez – disse, virando-se, logo depois -, o seu nome não consta na lista.
- E isso significa o quê? – perguntei.
- Não sei. Vá até o quarto andar e procure dona Vânia Cristina, ela pode te dizer o que isso significa.
E lá fui eu na direção do quarto andar, à procura de Vânia Cristina, que bem poderia ser uma das leitoras eventuais da minha coluna.
Havia uma recepcionista e ela abriu os seus dentes quando me viu. Talvez me imaginasse algum chefe de gabinete ou candidato a deputado estadual. Com uma voz aguda, me informou que a dona Vânia Cristina estava viajando, só retornaria em alguns dias. Não importava. Sentei-me numa cadeira e contei a ela sobre a minha situação. Ela me escutava atentamente. Quando acabei, me olhou e disse que aquele meu caso só mesmo a dona Vânia Cristina poderia resolver.
Saí dali intrigado, suspeitando que as coisas poderiam não estar indo tão bem como eu gostaria.
Passei alguns dias em casa, lendo livros, vivendo um pouco a Paris dos anos 20. Era uma beleza por lá naquela época. Aproveitei e joguei também umas partidinhas de ping-pong, com o celular no bolso da bermuda, na expectativa, só que ele não deu sinal. Em que lugar estaria Vânia Cristina, eu pensava entre um ponto e outro, a morena dos seios fartos que lia minhas crônicas antes de dormir?
- Ela chegou, mas no momento está numa reunião – me disse a recepcionista, quando voltei.
- Você falou que estive aqui?
- Ainda não. Se quiser, posso te ligar quando ela ficar a par de tudo.
- Certo...
Ela se esqueceu ou não quis falar? Aquela dificuldade de comunicação começava a me preocupar de verdade. O meu emprego sonhado, a realização dos desejos. Algo me dizia que talvez a secretaria de transportes do município não simpatizasse comigo. Será que eu fazia parte de alguma lista negra secreta? Será que investigavam o meu histórico, os dias de maresia, as noites de divagações nas mesas de bar cobrando o seu preço agora? Será que achavam as minhas crônicas ruins? Ou não me conheciam? Eu pensava e a cada instante a minha cabeça enchia-se de dúvidas e de teorias, de quase certezas também. Saí para fumar um cigarrinho, encontrei com o Barry White na escada.
- Ô, rapaz, você sumiu! – ele falou, como se fossemos amigos.
- Ainda resolvendo a minha estória.
- Conversou com a dona Vânia Cristina?
- Estou esperando ela sair da reunião.
- Que reunião? Falei com ela há 10 minutos, não tinha nenhuma reunião marcada.
- Mesmo?
- É.
Apertei a mão de Barry, dei uma desculpa esfarrapada, falei que tinha me enganado sobre a tal reunião e retornei ao quarto andar.
- Soube que dona Vânia voltou, minha querida, gostaria de conversar com ela agora.
- Olha, vou ser sincera com você, a dona Vânia não vai poder te atender hoje.
- Porquê?
- Porquê ela está muito atarefada.
- Pois então você diz a ela que eu vim tratar do assunto do jornal.
- Como assim? – ela me perguntou.
- Escrevo para o jornal também, se você não sabe. Creio que ela deve estar por dentro dessa minha visita.
A recepcionista me olhou com aquela cara que tinha, uma cara estranha, o nariz apontando para frente, a boca meio retorcida, como se eu estivesse falando chinês ou qualquer coisa assim. Depois de alguns segundos, no entanto, acabou entrando na sala de dona Vânia e fechou a porta atrás de si. Eu então estava sozinho. Havia um quadro de Jorge Amado na parede, ele de bigode e camisa florida sorrindo para mim. Eu tentava imaginar o que o fazia tão feliz.
A recepcionista voltou.
- Dona Vânia Cristina vai te atender, ficou curiosa sobre esse jornal.
Eu havia conseguido.
Caminhei até a porta decidido, da mesma forma, imagino eu, que Hemingway caminharia também. Girei a maçaneta e entrei na sala. Vi outros quadros na parede, Jorge sempre lá, um tapete vermelho no chão, um conjunto de cadeiras no centro, e, do outro lado, colada à janela, uma imensa mesa de madeira de lei, dessas antigas. Era lá que Vânia Cristina estava, metida num vestido amarelo, um colar de bolinhas azuis ao redor do pescoço. Foi uma surpresa pra mim. Ela não tinha os lábios carnudos, como eu imaginara, nem os seios fartos ou as pernas grossas, tampouco a sensualidade, o jeito carinhoso, a graça que me fez acreditar ter. Vânia Cristina, a mulher que eu pensara ser a minha sorte e a minha salvação, era apenas uma coroaça, com cerca de sessenta e poucos anos, e olhava-me com uma cara de tédio, como se eu fosse o carteiro ou o homem do gás.
- Opa - eu disse para ela.
- Boa tarde, em que posso ajudar?
E ali, naquela sala, de frente para o que a minha imaginação havia me levado, eu repentinamente perdi a voz e os pensamentos se embaralharam – em questão de segundos, estava completamente paralisado. Ela, por sua vez, levou uma das mãos ao queixo e ficou me observando.havia algo entranhado ali. Notei seu rosto seco e afundado, as veias azuladas entre os anéis. Era diferente, mas outra vez o gosto amargo ganhando o céu da boca. Jorge me olhando na parede, feliz, e eu nunca fui muito chegado nele nem nas estórias dos coronéis. Tinha grande valor, claro, mas a minha vida era outra, feita das sombras dos prédios e do sol que marcava o asfalto, a melancolia das cidades e das pessoas, minha vida era um tapa na cara dos sonhos, aquela velha olhando para mim, coçando o seu queixo, de certo achando que eu era algum tipo de imbecil ou de retardado, considerando aquela minha visita muito maçante, nada demais no seu rosto, nada de menos, somente um enorme desconforto, refletindo talvez o desconforto que havia no meu.
- Algum problema, meu filho?
Então descobri que eu não tinha o que falar para ela, embora de alguma forma soubesse que teria de falar algo. Por isso, quem sabe, falei a primeira coisa que me veio à cabeça naquele instante, com uma voz um pouco alta para os padrões da sala.
- Você votaria em alguém que usa peruca, Vânia?
- Não entendi – ela respondeu, levantando uma das sobrancelhas -, é sobre isso a matéria para o jornal?
- Não existe matéria- eu disse de uma vez - Queria apenas te conhecer e, me disseram que você resolveria o meu problema. Mas você me enganou. Aliás, todos neste prédio me enganaram, todos, a não ser o Barry lá embaixo. Só ele respeitou os meus sentimentos, só ele tem uma alma digna de apreciação.
- Olha, Rapazinho, hoje não estou com muito tempo para brincadeiras – ela falou, alterando-se.
- Quem não tem tempo para brincadeiras sou eu, minha senhora. Já estou de saco cheio de brincadeiras, tenha certeza disso. Me diga: o que é que vocês viram no meu currículo que fosse tão ruim? São as minhas crônicas? Me diga, Vânia, eu quero saber. Tenho esse direito. Não pense que, por ser assim tão bajulada, pode ir pisando nos outros, como se não fossemos nada, fazendo o que quiser. Saiba que, embora ainda não tenha conhecimento, eu sou um dos grandes também, eu sou um dos caras! E saiba de outra coisa, minha querida: tudo o que fazemos nessa existência, volta pra nós um dia – tanto faz se for do lado do bem ou do mal. Anote isso. É possível que te seja útil nesse restinho de vida que ainda tem.
- Você é completamente louco – ela gritou, usando de uma força que não imaginei que viesse a ter – saia de minha sala agora, já, antes que eu chame toda a guarda municipal!
Então os segundos em que ficamos nos encarando demoraram muito a passar. A porta foi aberta atrás de mim, escutei a voz da recepcionista perguntando se estava tudo bem, dona Vânia. Vânia não respondeu, eu também não. Já tínhamos falado o suficiente. Virei-me e saí, deixando-as para trás, desci as escadas e logo ganhei as ruas, juntando-me às pessoas que caminhavam de um lado para o outro sem parar. Tudo parecia envolto em neblina e confusão. Eu pedia para sair daquela confusão. Talvez amanhã, pensei, talvez amanhã eu venha a ter alguma resposta, elas que chegam sempre atrasadas. Talvez tudo clareasse com o tempo. Mas, pensando bem, se não clareasse, também não fazia mal: eu ia apenas continuar do mesmo jeito, o que não era de todo ruim - acordando a hora que quisesse, deixando a minha barba crescer sem preocupação, os cabelos ao vento, a intemperança, e me restaria ainda a melhor parte de tudo – os meus blocos de papel na estante e as minhas tardes sem ofício, mirando o imaginário chinês do outro lado da mesa, cortando a bolinha sem piedade ou misericórdia - da mesma forma, imagino eu, que Hemingway cortaria também.
domingo, 19 de setembro de 2010
Vida qualquer coisa (Uma bobagem em homenagem à Alice Ruiz)
Deve ter um remédio que te sirva
O psicólogo vai te dizer
Que não é assim que deve ser
Tantos sentimentos não deixam você viver
Amar, por quê?
Tome fluoxetina
Sofrer não tem fim?
Tome Valium
E também me prescreva Ritalina
E muitas sessões de terapia
Um emprego melhor paga um especialista
Mais grifado
E assim, dopado
Ele irá te dizer como sua vida deve ser
Já que você não sabe mais como viver
Sendo você com você
E os outros vão te apoiar
A se unir ao exército de zumbis
Terapeutizados
Uma vida uniforme
Para pessoas que não se amam
Não se odeiam
Nem se importam
Não choram
Nem protestam
Não se indignam mais
Elas apenas desejam a nova fórmula
Que as faça não sentir
Apenas o nada
Nada
Nada
domingo, 18 de julho de 2010
- Ele e a mulher e a cunhada. Ensinei o caminho, daqui a pouco chegam aí.
- Vem de carro? – não sei porque perguntei isso.
- Acho que sim.
Às vezes não entendia Miojo. De fdp fofoqueiro num dia a divulgador filantrópico no outro. Ele e mais uns tantos. Mesmo a natureza humana sendo de difícil compreensão, ficava sempre achando que no quebra-cabeças de uma parte dessa turma faltava sempre uma peça ou outra pra encaixar.
Eram nove da noite e eu me sentia cansado. No céu, por entre duas nuvens, a lua apareceu amarela como a luz de um candeeiro. Era bonita, mas, por algum motivo, nunca me sensibilizava. Pensei que talvez não estivesse na sintonia certa. Ou, quem sabe, não fosse tão evoluído quanto a maioria. Bem possível que sim.
Depois que Miojo desligou, fui lá dentro, peguei três mesas, doze cadeiras e armei tudo na varanda. As mesas tinham manchas de cerveja e algumas cadeiras também, marcas de cigarros apagados, arranhões. Um tanto da culpa era minha, por simples desleixo, outro tanto pelo sadismo de uma parte da clientela. Se estou pagando, eles pensam, faço o que der na telha... Sempre existiu uma espécie de banda podre em todo lugar, mas a verdade é que eu andava de saco cheio de certas coisas, sobretudo dos bêbados exagerados e vulgares que viviam a fazer besteiras, achando que com isso se afirmavam como malandros, e, no dia seguinte, além de não lembrarem de nada, ainda por cima diziam que eu imaginava ou inventava coisas. O pior é que eles, geralmente, possuíam um poder tão grande de convencimento que, no fim das contas, quem acabava como o único culpado por toda a m... que faziam era eu. De qualquer forma, ainda resistia: forrei as mesas, limpei as cadeiras, fui até a cozinha e passei algumas cervejas da geladeira para o freezer, em seguida coloquei um cd do Otto pra tocar. Otto sempre agradava a mulherada. Depois disso sentei-me num dos bancos da varanda, acendi um cigarro e observei os carros subindo a ladeira.
Algum tempo depois o telefone tocou novamente. Era Altamiro querendo saber se o bar estava com movimento.
- Ninguém – respondi.
- Ninguém?
- É.
- ... Talvez dê uma passadinha por aí mais tarde.
E desligou.
Altamiro era outro que quase sempre deixava uma peça pra encaixar. Não pelo fato de que, provavelmente, não apareceria, mas porque vivia nessas de que era muito meu amigo sem, no entanto, ter intimidade o suficiente para isso. “Dia desses te dou uma vodka importada que ganhei, custa uns R$ 100,00”. E a pior coisa que poderia acontecer seria ele trazer essa tal vodka, justamente por eu não ter nenhuma. Talvez tivesse que aceitar.
A lua já estava afastando-se das nuvens e ganhando espaço quando escutei o barulho de um carro estacionar. Meia hora havia se passado e eu não dera conta. Talvez fosse o amigo de Miojo, com a mulher e a cunhada. Fui correndo até a cozinha, troquei o disco que já estava para acabar e me debrucei sobre o balcão como se a vida estivesse fácil e tudo sob controle. Vi surgir, então, subindo as escadas, a figura de Altamiro, com sua eterna pochete presa à cintura.
- Não pude deixar de conferir esta lua da sua varanda – ele disse.
- Está linda – respondi.
- Adoro ela assim, poética. Olha, separei sua vodka pra trazer, mas esqueci em cima da cômoda. Amanhã eu trago.
- Ok. Vai querer uma cerveja?
- Não. Na verdade, tenho que organizar umas coisas. Apareci somente te ver.
Então se aproximou e me abraçou. Fiquei sem jeito, claro, mas o que é que podia fazer? Depois disso me encararia e possivelmente diria que o meu semblante estava abatido ou qualquer coisa assim, e que, se estivesse com algum problema, poderia me abrir com ele. Eu não tinha nada para falar. Era estranha a situação, mas ele não perdia a pose. Talvez fosse um sujeito mais evoluído que eu. Da lua, pelo menos, ele gostava bem mais.
Depois de uns dez minutos de conversa, foi embora. E eu fiquei com aquela sensação de que faltou uma peça para completar.
Acendi um cigarro e fiquei sozinho a escutar a música tocar. Muitas vezes eu preferia assim.
Quando fui trocar o cd, olhei para o relógio na parede e descobri que já eram onze e dezessete. A noite é como a vida, pensei, passa num piscar e, quase sempre, muito pouco do que queríamos chegou a acontecer.
Recolhi as mesas, as cadeiras, tirei o disco que estava tocando e fechei o balcão. Eu era um comerciante atípico, mas isso não me incomodava. Quando estava descendo a ladeira, vi um casal acompanhado de uma outra mulher vindo na direção do bar. Talvez fosse o tal amigo de Miojo. Eu precisava de uns trocados. O que faria? Quando passaram por mim, quase sem sentir virei o rosto e olhei para o outro lado, procurando talvez algum acontecimento perdido na noite de Ilhéus. Não havia nada, exceto as vozes dos três e a lua, em parte escondida por uma nuvem com formato de uma luva de boxe. Diminuí o passo e fiquei a olhá-la, como se a admirasse, tentando parecer que era um pouco como todo mundo é.
R.M.
sexta-feira, 21 de maio de 2010
LEAVE ME ALONE (Ou : O desejo de viver em meu mundo)
Substantivos de algo concreto
instrumentos que realizam crimes passionais
e também terminam vidas tragicamente
dramáticas e demais vividas
eu vejo a palavra
que é a forma de ser realidade
um mundo todo meu significado
e lá, tudo é muito puro
bruto
tudo é muito vivo
sanguíneo
tudo é muito colorido
amanhecer e entardecer
todo o mundo
meu
um tanto egoísta
i´m so selfish, baby
então venha e deite aqui comigo
vamos contar as estrelas que não existem nesse teto
pegue na minha mão e salte para dentro
do universo que existe entre as minhas retinas
e o meu credo
sexta-feira, 7 de maio de 2010
12 hrs. ininterruptas
“Você está feliz?”
Eu certamente direi que sim
mesmo quando nesse exato momento
existe uma vontade de chorar matada
no meio do meu peito
e também é como se dois suspiros adiante
um muro fosse erguido
com pedras tão maciças e antigas
de algo que eu me lembro de quando não vivi
algumas flores no cabelo
e um vestido muito diáfano
que me deixasse
corpo cá
e alma do outro lado
terça-feira, 6 de abril de 2010
Cansado e de saco cheio.
Hoje não tem frase bonita.
Moral da lição
?
R.M.
sexta-feira, 26 de março de 2010
Veja,
Em determinados momentos do ano é possível colocar sua mão em meu peito e atravessá-lo. É porque eu viro como um espectro e sombra, um sonho de mim mesma, uma reinvenção. Daí eu pego em sua mão e você pode atravessar a carne e o músculo e procurar o pequeno beija-flor asmático. Ele tanto bate, tum-tum-tum, quanto tosse pigarrento, cof-cof-cof, culpa dos cigarros que nunca fumou.
Você se assusta, larga o pequeno pássaro um tanto quanto sem jeito, e ele fica sem graça em sua falta de perfeição e beleza. Logo ele, que devia ter tanta graça, agora nem sabe direito se é pássaro, se é vida, se é amor, se é vazio, se é o que é que se é.
Faz assim, dê a volta, como se o mundo fosse essa avenida até o seu fim, e de lá grite meu nome para que então eu tente ouvir: Entre todas as pessoas, que falam e esquecem, entre todos os carros que não têm para onde ir, entre todo esse caos que é o mundo às 9 da manhã, eu ainda desejo te ouvir.
E me diz, por favor, você que já andou o mundo e chegou até o fim, se é verdade que existem monstros horríveis aí, ou se eles estão todos atrás de mim, no meu quarto, no meu armário e embaixo da cama.
Diga logo, me ajude, eu não consigo te ouvir, o pássaro se assusta e pode me levar embora, eu tento pegá-lo e não consigo.
Hoje eu sou de carne e músculo.
Tum! É só um carro que atropelou a vida.
terça-feira, 9 de março de 2010
ESCONDERIJOS DE VIVER
Foi então que ela descobriu que ao se esconder ela também poderia se perder. E que isso poderia ser tão bom porque depois ela poderia ser encontrada. É assim que se aprendem as coisas verdadeiras: Sem pensar, sem livros, cadernos, professoras, sermões de igreja e de pai.
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
Cidade Fantasma
Óh, meu Deus!
Óh, meu Deus!
Toni...
Suor. Suor.
Toni debate-se na cama encharcada de suor. Virá-se, encolhe.
Moulin Rouge destruida, ele pensa, sonha. Está sonhando?
Putas.
A cidade destruída, em escombros. Toni, Toni. Alguns centímetros de pernas femininas, logo acima dos joelhos. Louise Joséphine Weber dançando para ele. "La Goulue" , A Gulosa. Veludo. Vermelho encarnado.
Toni, Toni... O corpo em suor, desmanchando-se. Mulheres vasculhando a cidade, entre os escombros. Toni..., elas gritam, chamam. Querendo destruí-lo, aprisioná-lo. Só restaram elas, mais fortes que as baratas. Nenhum homem. Querem destruí-lo. Sede. Amarrar-lhe as mãos, pendurá-lo e açoitá-lo. Toni, Toni. Elas reviram a cidade destruídas, pernas a mostra, como as dançarinas ousadas em seus movimentos de cancã. A cidade destruída. Mais fortes que as baratas. Ele acorda gritando, o corpo encharcado, o coração sobresaltado como que esmagado por cavalos.
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
O TAMANHO DO AMOR
que tudo abriga no mundo
O amor é igualdade, ele nada exclui
ele não pode ser melhor ou pior
pois é incapaz de julgar
Não sabe o amor o que é
começo, meio, ou fim
ele já é antes
como a primeira nota do Universo
Se é amor
Não é amor para ser
é tudo contido
no amor
O amor é a forma
o conteúdo
Assim, o amor não é chama
que se apaga com o primeiro vento
mais forte
O amor é o forte
e se somente chama
certamente há de ser outra coisa
entre as almas
Porque o amor vive
sempre
naquele que sabe como o é
O amor esclarece
O amor acontece
O amor amanhece
É coisa de quem se vive
Vivo
De quem se entrega
De quem não nega
De quem não se apega
E o amor não há de ter tamanho para ser tudo o que é.
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
no sitio da familia
nessa época eu falava menos, mas acreditava mais. a existência prometia ser algo sensacional.
r.m.
domingo, 29 de novembro de 2009
APOTEOSE APOCALÍPTICA
Eu
sou
somente
viver
sabendo que tudo
é contagem de fim
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Saudade
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
ESTANQUE
Essas novidades tão modernas só me fazem descrer ainda mais na raça humana e na sua salvação, daí eu entro na igreja bonita da praça da Liberdade - parece uma gruta perdida - e lá olho aquele Cristo sofrendo e só posso dizer "Hey cara, isso vale tanto a pena assim?" E, claro, ele não responde, nem responderá, apenas sangra. Eu fico com raiva e coloco o ipod no talo, até não ouvir sequer mais um som do mundo, e fico imersa naquela dor que é revolta, medo, indignação e, sobretudo, um amor tão grande que não tem colo para chorar e se aninhar.
Daí eu, sei lá, nem sei como escrever essas coisas que somente a alma vive. Eu sei que sinto saudades de algumas pessoas, mas elas já morreram. Fazem parte das cinzas que depositei no mausoléu das lembranças desnecessárias. E eu até gosto disso. Estou livre demais. Só espero saber o quê fazer dela agora.
Alguma sabedoria devo ter adquirido na caminhada até aqui.
Olho ao meu redor, praça da Sé, 18:30. Os sinos tocaram e um dia já é findo. Eu quero sentar nessa escada e perguntar para o cego pinguço se tudo ficará bem.
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
CASA NO CAMPO
Babilônia
big city
é esse agito
contínuo, novidade
i like it
but
às vezes eu ainda sonho com a casa no campo
rock´n roll nas montanhas
relógio lento na sala
enquanto o sol caminha e deixa a vida
com sabor de mel, café torrado e bolo recém-assado
eu sou de sampa
e ainda troco essa roupa
dura e cinza
por algo bem leve
que balance com o vento
e tenha cheiro de mato molhado
e amor de se levar até as últimas rugas
and "what wonderful world"
the end
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
DEVANEIOS PARA UM FERIADO
Eu só decidi manter um grande segredo. Então eu acordava de madrugada como se fosse dia claro, saía e respirava o ar que descia gelado e novo das montanhas. Acompanhava o sol e de certa forma participava da criação do mundo. Era o que então eu pensava, sorrindo discretamente, enquanto olhava o verde, o azul, e uma penumbra dourada que transbordava pela janela da cozinha e fazia o bolo de mandioca ficar bronzeado.
O cheiro do café tomava a manhã e desaparecia lentamente. As abelhas, as flores, tudo pareceria só meu, criado por mim e por alguma outra coisa também mágica do universo. Caso eu ainda estivesse sonhando, parecia muito real. E quem poderia me dizer o contrário, se eu estava sentindo e vendo toda aquela vida muito honesta e calma por todos os meus poros e vivia a paz?
E ouvia alguns bichos que pareciam ensaiados, mas também tinha algo de improvisação, quando o besouro pousou no livro, e me assustei, e todos riram. Eu também.
Era alegre, morno, com cheiro de mel e café, cerveja gelada, um pulo na piscina, leve arrepio, cheiro de grama cortada, sorrisos de interior, música e nostalgia, talvez alguma confissão sobre o invisível.
Daí eu sei que gosto de ficar só e quando perto dos amigos mais queridos percebo algum privilégio em manter-me fiel à verdade da vida, que mesmo dura, nos brinda com momentos tão completos que vale então tudo.
O resto é só a vida mesmo, vai compreender... .
domingo, 16 de agosto de 2009
Looser
a linha
o dom com as palavras
mais bonitas
as deixei nas sarjetas
outra vez,
toda a esperança sorrateira
os sonhos inebriantes
decaíram como heróis que nunca existiram
e a lucidez catastrófica
reapareceu
por detrás desse verniz falso
“o teu nome é caretice”
e às vezes é fluoxetina
e tantas outras drogas
pra gente morrer e continuar vivendo
e agora que eu morri, desejo viver
e morrer, morrendo
i´m so confused, baby
whispering
take care...
please
é o preço da escolha
terça-feira, 4 de agosto de 2009
NO ME GUSTO MAINSTREAM
lado B
Não gosto daqueles, tipo
top 10
mais vendidos
prediletos
essenciais
Eu te quero todo
Do jeito que ninguém
viu ou ouviu
novo e secreto
que devo descobrir
deliberadamente
FUCK OFF!
de tecido vivo, vasos,
sangue muito vermelho
pulsante
dança o pensamento
sem nunca desejar ser único e parar
e também tenho cabelo nas ventas
minhocas que tartamudeiam minha cabeça
e daí eu fico toda gente demais
e sinto extremos ao longo do dia
e me recuso a viver como lagartixa
na frente ociosa da tv noturna
depois de trabalhar de forma enfadonha
e dormir ao lado de um corpo
tão morto
todas as noites
as ventas queimam minhas idéias
que pulsam meu sangue
e derramo lágrimas carmim
sejam elas de alegria ou dor
como um gozo dissolvido
em suspiros em seus ouvidos
sinto tudo de uma vez, só
E o resumo da ópera da minha vida
é que eu nasci pra viver
e vivo pra morrer
todos os segundos do dia
So, fuck off!
sexta-feira, 31 de julho de 2009
OLHOS ESFUMAÇADOS DE NEGRO
e já poderia reconhecer
nas sombras
os rostos que eu deveria lembrar
e estranhamente não os recordo
pois não posso dizer
por onde andei
Maybe
I have a secret
quarta-feira, 29 de julho de 2009
QUANDO NÃO PAROU MAIS DE CHOVER
O céu deseja a morte
em trovoadas extensas
clarões que apenas fazem
a noite mais negra
e meu pesadelo
é você que me persegue
só, me resta a aflição
enquanto fico trancada
na pequena sala
grilhões pesados na imensa porta
eu me escondo de você
claustrofóbica
e a solidão entope minha boca
de um bolo azedo
you´re so sour, baby
Mas eu acredito estar salva
domingo, 12 de julho de 2009
OUTRA PRA VOCÊ (Ou só porque eu não te conheço)
They do
Juntos
Festas
Supermercados
Sorvetes no quiosque do shopping
Filhos mal educados
Vícios insuficientes
Cafeína, cocaína, codeína
Não exatamente nessa ordem
Existe a sua falta
A ausência
A solidão por entre a gente
Do poeta de muito tempo atrás
Eu me acho tão diferente
But I do too
Versos de rimas primárias
Precárias
Tão comum
Mente
quinta-feira, 2 de julho de 2009
LA REVANCHA DEL TANGO
quarta-feira, 1 de julho de 2009
CAFEINA + COMPRIMIDOS
dormir
sonho acordada
novamente
pela 1ª vez
é quando vejo
do alto do viaduto
os carros passarem
e acredito poder-voar
é uma esperança bem assim
que carrego no peito
do beija-flor
asmático
quarta-feira, 24 de junho de 2009
14:hs | Tarde
terça-feira, 2 de junho de 2009
Quando as coisas simplesmente não têm explicação
Tenho me perdido em pensamentos do micro para o macro, como, por exemplo, o jeito único que observo a luminosidade dessa tarde gelada e como essa beleza apenas é um composto químico e físico que formam tanto a matéria do céu quanto a que pertence ao meu corpo.
Tenho uma experiência espiritual-racional e tudo fica tão grandemente simples, que os meus problemas cotidianos e humanos mal cabem na sessão de terapia. Aliás, a última sessão foi uma grande conversa sobre o absurdo de se compreender o mesmo objeto analisado sob diferentes perspectivas. Daí que eu penso que o "serumanu" se perdeu mesmo. Afinal, ele valora mais o seu do que o outro, mesmo quando o foco é o outro.
E daí,claro, conversando com minha mãe identifico que a filosofia é uma ciência do pensamento, of course, e por isso mesmo absolutamente distante da praxis. Certo é que alguns filósofos foram seus pensamentos - e vice-versa, porém, acreditar na filosofia como uma realidade é uma bobagem utópica cheia de ingenuidade e paixão.
A filosofia é bem um instrumento, o meio para um fim individual, não o fim em si mesma.
Tá aí a grande arte da parada. É essa transmutação do macro para o micro, do conhecimento para a experiência, e assim vai... .
sábado, 9 de maio de 2009
DO FIM
De uma vez, SAI!
Sim, e bata a porta
Da rua encha a boca
E grite: Puta!
Todos já ouviram menos
Do mundo
E mais do desespero
Mas, vá e não volte
Que seus passos sejam ecos
Do amor, sussurros dos lençóis
Que o quente de seus beijos
Apenas uma lembrança antiga
Como o alento de seu sorriso
Apenas um esboço no tempo perdido
E na morte das tardes
As mãos se buscavam cegas
Para entender que de dois se era um
Mas agora que tudo é partido,
Quando nos partimos,
Você está partindo
Os pratos foram na parede partidos
Eu fiquei aqui parte-ida
Porque você não vai
De uma vez, SAI!
Sim, e bata a porta
Não volte
Nunca mais me toque
Fique longe
Do corpo e da mente
Nunca existiu "a gente"
Ah! Me deixe vazia
Sem lembranças
Sem despedidas
Idas
Parte
Nossas
Vidas
Vai!
quinta-feira, 30 de abril de 2009
ELEGIA A SOLIDÃO MODERNA
E eu aqui pensando, não gosto mesmo de coisa muito pessoal. Em primeira pessoa só falo de outros, mesmo que eus, ainda assim não é aquele de hoje.
Agora se isso faço – veja o primeiro tempo verbal conjugado - porque quero é meter meu bedelho nesse mundo estranho. Eu vou até sentir falta do sertanejo brega que canta a saudade “do seu amor quentinho”, ou aquele papo-cabeça canção de quem se sente sozinho.
Tudo pra dizer que eu quero mesmo é cada vez mais enlouquecer e me enfiar numa caverna com poucas coisas e jogar minha própria merda no chato que ousar passar por lá com toda essa parafernália moderna.
É Orkut, Twitter, celular-computador, computador-casa, casa-orkut, fotolog-amigos, eu já não entendo mais nada, essa coisa dessa gente falar tanto sobre coisa alguma. E toda essa especulação sobre a vida alheia só poderia tapar dentro de cada um, sei lá, quem sabe, algo do tamanho de um buraco negro existencial.
E a cada século o ser humano dá mais um grande passo na sua eterna cagada de não se conformar com sua própria insignificância perante o Universo e a magnitude da Vida, e decide criar alguma brincadeira infantil e coletiva para distrair-se da consciência individual e cruel.
Eu, como sempre digo, – e nem eu sei quem é essa aí que Vos fala – prefiro é ficar mesmo na minha vidinha besta pra caraleo, sem muitas coisas legais pra contar, sem muito me enfeitar e sem aprender a fazer bico.
E também, sem ser uma pra contar.
domingo, 19 de abril de 2009
APATIA A CABO
do canal pago
Assisto o mundo
Aperto a função mudo
e tudo permanece ruindo
em estrondoso
SILÊNCIO!
sábado, 11 de abril de 2009
TEMPOS MUITO DEMAIS MODERNOS
segunda-feira, 23 de março de 2009
... O retorno do sentir
E a distância da sua existência me ensinou a solidão maior. Por entre todas as pessoas e lugares, estou encarcerada pelas lembranças do que acredito que foi bom. Eu nem bem sei se é real toda essa falta de você. Eu só sinto essa enorme muralha que emerge do chão e cresce sobre o mundo e não sou capaz de sorrir de dentro. Eu poderia te carregar para algum lugar melhor longe dessa gente feia e sem graça. Eu gostaria de nos proteger desse final de tudo lento e decadente dessa cidade. Eu não compreendo muitas coisas, e cada vez mais a sabedoria não me pertence. E tudo é esse sentimento estranho, como se eu fosse capaz de voar, mas meus pés estivessem atados ao chão.
E só me resta então a angústia e esse destino cego, essa vida sem saber, aguardar o acontecimento maior, o evento predestinado, como um novo nascimento em um corpo já muito antigo. Com grandes asas leves alçar vôo, sentir a poeira do chão subir, e buscar você lá de cima. E fugir para alguma terra alta, distante disso tudo, com o horizonte dolorido e livre, sentiremos o aperto no peito que só a felicidade transbordante da esperança real é capaz de proporcionar.
E eu só peço, veja bem, é tão pouco, meu Deus, é quase nada, que você me conforte e em silêncio compreenda o incompreensível junto de mim com todas as palavras que só o silêncio maior produz.
“Veja só - suspira uma brisa que leva levemente os cabelos e arrepia calmamente na alma – estamos no coração da vida, soerguidos pelo mistério, nada aguardamos, além dessa sensação de algo que está realmente em seu lugar. ”
Agora estou de volta com minha caixa de bagunças demasiadas humanas: www.caixaderascunho.blogspot.com
terça-feira, 3 de março de 2009
Big Mess
Eu nem sei bem como
Tudo se perdeu
E gostaria que alguém explicasse
Uma formula secreta
Que resgatasse
Os momentos mágicos
Algo de bom
Entre nós
E agora distantes
Talvez eu acredite
Que os detalhes
Não fossem importantes
E só restasse
Os finais de tarde
As alegrias
Esperanças
De uma vida mais
Completa
Que não soubemos
Levar adiante
Será que há
Sabedoria no mundo
Para dizer
Eu e você
O quê deveria ser
Melhor?
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
Todo mundo fica triste quando chove
Fecho a janela e o fim de tarde abafado cola a roupa em meu corpo. Acendo um cigarro, e penso que parei de fumar "pero no mucho". Sou a Deusa do Pero no Mucholand. Feliz “pero no mucho”, trabalhando “pero no mucho”, satisfeita “pero no mucho”, ainda te amo “pero no mucho”.
Por aí vai, e começa a chuva, despenca de uma vez, os prédios encobertos pela névoa branca.
A fumaça quente do cigarro, o calor úmido pegajoso em meu corpo, os pensamento lentos me enterrando e eu sem forças para jogar a terra fora.
É isso, quando eu olho a chuva imagino todas as pessoas do mundo que por um segundo olham a água descendo para a terra e sentem-se mais sós, infelizes, ou simplesmente perdidas.
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
balcão
- ainda gosto dele. Mais até do que antes.
O nome disso, pensei em dizer, é cantina do vale. mas acabei não dizendo.
Ela colocou uma dose, bebeu, em seguida encheu o copo outra vez. Olhou para mim, fez que ia dizer algo, mas então sorriu alto, muito alto, e desceu as escadas, o cabelo caindo de lado, o andar meio trôpego e um cuidado enorme com o copo de vinho que ia levando.
RM
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
Eu quero voltar mas o mundo não deixa
Eu ando cansada e sei que não faço nada. Eu gosto da solidão e da minhas peculiaridades que me tornam um ser recôndito e estranho. Eu ando pelas ruas do Centro e não procuro respostas.
quinta-feira, 30 de outubro de 2008
depois que a Lúcia morreu
Roberto, meu querido, acabei de chegar de salvador. Não sei o que acontece, mas a cada dia me sinto mais estranho naquela cidade. Muita gente, muitos carros, muito barulho, e tudo é tão caro, tão longe...desta vez, fui para dar um jeito na situação da Melissa. Na verdade, fui para ver como é que ela tá mesmo. Parece que se desentendeu com a dona do pensionato em que está morando e cismou que não quer mais ficar por lá. Coisas da sua afilhada, você conhece bem. De uma hora pra outra,k sem avisar, ficou cheia de opiniões. Os filhos crescem, né. De qualquer forma, se a Lúcia estivesse viva, garanto que situações assim não aconteceriam. Consegui um outro lugar, mais caro um pouco. Falta ela dar uma olhada pra ver se aprova. Talvez na próxima semana. Quase não tem tempo, a coitada, vive na casa de colegas, fazendo trabalhos. Aproveitei que estava na capital, como a gente falava antigamente, e fiz uns exames. Recebo pelo correio quando estiverem prontos. Modernidades. Desconfio que não estou muito mal, só essa tosse que incomoda, mas é sempre bom dar uma checada. Bom, tô ligando mesmo é pra lembrar daquele nosso esquema de domingo que vem. Tá de pé ainda?
Dia 15/10
Roberto, você não imagina quem apareceu aqui em casa hoje. Dona Miriam. Está bem acabadinha, mas a memória continua boa. Falou de mamãe, dos lençóis de retalhos que as duas faziam na varanda da nossa casa e de como nós aprontávamos naquela época. Está morando com uma filha, acho que a mais nova, Soraya. Encontrei com as duas no supermercado. Não esperava que aparecesse. Mas talvez tenha sido bom. Gosto das reminiscências. Quando ia embora, me abraçou e disse que eu estava a cara de papai. Achei estranho. Sempre me pareci mais com mamãe, era o que diziam. Não importa. Estou aqui me preparando para para ver o jogo do Brasil na tv. Depois que mudaram aquele zagueiro, parece que a coisa melhorou. Mas ainda não tô satisfeito. Hoje em dia parece que jogador não tem mais amor à camisa. E o esquema de domingo? Dá um retorno.
Dia 17/10
Roberto, sou eu. Tenho pensado muito nessa coisa de estar parecido com papai. Mesmo que eu parecesse mais com mamãe quando novo, é possível que, com o passar dos anos, certas feições que herdei de papai tenham se acentuado. Há muitos casos assim. Sei mesmo de uma família que, quanto mais o tempo passa, mais eles se parecem. Fiquei boa parte da manhã de frente pro espelho. Acho que meus olhos são mais puxados agora. Talvez seja problema de vista, não sei. Você deve estar achando essa conversa meio estranha, mas realmente estou convencido de que alguma mudança aconteceu. O que é que você acha? Me liga aí, porra...
Dia 18/10
Roberto, meu irmão, parece que nunca te encontro em casa, por onde é que anda? Tenho uns assuntos para conversar, saber sua opinião. A Melissa ligou ontem de noite. Diz que não quer mais ir para o pensionato que arranjei, vai dividir um apartamento com mais duas amigas. Tentei explicar que a situação está meio complicada, que já tinha a mensalidade da faculdade, mas ela fez um drama enorme, chegou a dizer que eu não a amava e que se a Lúcia estivesse viva iria entendê-la. Eu sei que não, mas não quis discutir. Vou me apertar, mas fazer o quê, não é mesmo? Coisas da vida. Por falar em aperto, viu o jogo do Brasil? Porcaria de time aquele. Se pudesse, mandaria todo mundo pro oriente, lá praquele lugar onde se toma chicotada quando se joga mal. Brincadeira, há,há... mas que a gente passa raiva, isso passa. E pensar que quando éramos moleques tínhamos um orgulho danado dessa camisa. Olha, sobre o esquema de amanhã, queria um retorno seu pra dizer o que é preciso comprar. Tenho pensado muito nessa viagem, mas nunca fui bom de organizar coisas, você sabe, fico apenas imaginando a gente lá, pescando robalo no cais, abrindo a casa velha, olhando as coisas que ficaram e sentando na varanda pra tomar uma cerveja e olhar o rio. Sempre fui meio sentimental, saudosista, você sabe, e depois que a Lúcia morreu fiquei um tanto sem chão. Difícil explicar assim. Sua natureza sempre foi diferente da minha, mais forte, auto-suficiente. Mas não quero te encher com os meus problemas. No domingo, iremos lá, será um dia apenas para matar a saudade. Vai ser ótimo, rapaz. Me liga tão logo chegue em casa, ta? Valeu... ah, outra coisa: Dona Miriam veio ontem outra vez, tocou a campainha durante uns cinco minutos, mas eu não atendi. Não sei porquê. O problema foi segurar a vontade de tossir. Coloquei uma toalha no rosto, mas achei que ela, mesmo assim, estava escutando. Fiquei sem saber se escutou realmente. Se encontrá-la no supermercado, digo que estava com uma gripe ou qualquer coisa do tipo. Bom, era isso. Se puder, dá um retorno. Mas acho que posso ir adiantando alguns detalhes antes de você ligar...
Rodrigo Melo
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
Des-geração
Cigarros, aos montes, atolavam os cinzeiros, assim como os restos de cerveja. Estavam à disposição de algum desesperado que ousasse se utilizar dos restos mortais de noites retrasadas e cansadas. Podia, sim, voltar para a cama e rezar para acordar no paraíso muçulmano de mulheres com olhos rasgados e tez bronzeada, oferecendo-lhe orgasmos eternos. Mas ele era um filho da puta ocidental, de modo que a pós-vida seria uma coisa chata e tediosa com o soundtrack da Enya com diarréia cósmica. Passaria a eternidade dialogando com anjos de pintos pequenos e roliços que nem um viado ousaria utilizar.
Queria telefonar para algum S.O.S. aos suicidas, mais um dos serviços indispensáveis a vida moderna, mas o telefone havia sido cortado. Afinal, ou se bebe ou se paga o telefone. No caso a escolha é óbvia.
Se voltasse para a casa dos seus pais poderia tomar um banho quente com sabonete perfumado, almoçar com talheres em um prato, e arrotar a abundância que ele nunca ousara procurar nos classificados dos jornais. Mas lembrou do que vira no espelho e desistiu, sua mãe sofreria mais um desgosto e enfartaria. Não suportava o olhar de frustração da sua mãe: “Qual foi meu erro?”. Do princípio: Casar com aquele babaca do meu pai que fica com a pança na carroceria do carro aos domingos, lavando os louros da vida burguesa. Depois, ter um filho e achar que ele poderia ser diferente dos demais fracassados dos rebentos vizinhos. Pois, então, mamãe, o seu erro foi acreditar na glória da esperança secular.
Sentiu o gosto do bife a role, mas desistiu, não poderia corroborar aquilo que a senhora de grandes tetas esparramadas sabia no seu íntimo e infinito feminino. As mulheres eram foda. Por isso elas batiam a porta e quebravam pratos na parede. Há até certa histeria, mas ele reagiria da mesma forma se não tivesse a cabeça de baixo tão importante em detrimento de sua sinapse. Achou um livro abandonado ao lado do vaso sanitário que alguém havia dado a ele. Mas os óculos não estavam lá, assim adiaria para o próximo século a leitura de mais uma relíquia da humanidade.
Se ainda tivesse alguma dignidade, enfiaria a cabeça no fogão e asfixiaria. Mas não tinha gás. Pôrra, que merda que ele era afinal?
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
CATACUMBA
Acordei com mais sono, sentei no computador e não tinhas histórias para contar. Vazia, oca, minha mente é do tamanho de comprimidos que engulo sem muito questionar. Eu só tenho que me adaptar e controlar.
Controle, acho que é tudo isso.
Então, olhei para a minha rosa ainda botão, caída, nem vivia ainda e já de cabeça baixa desistia. Heroicamente desliguei as luzes abri bem aos poucos as cortinas. Decidi que mesmo se for a tristeza de viver descontralada e fora dos padrões, única e isolada em um casulo solitário, a existência daquela flor ainda merecia vez. Seremos então, as duas, de cabeça erguida, do jeito que se é.
Nem sempre nós salvamos sozinhas.
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
Mais devagar, ou não.
Queridos o restante do texto está lá no www.blonicas.zip.net
sexta-feira, 5 de setembro de 2008
APARTAMENTO 12
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
A vida não é um livro de capa colorida
Te conto uma coisa maluca, parei o carro na banca de flores da Dr. Arnaldo e lá eu pedi gérberas amarelas que eu ganhei ainda decoradas. O cara fez do coração. Acho que ele viu lá dentro alguma coisa triste que ele também tem. E desse jeito ele me ajudou e não se sentiu tão só nessa confusão de mundo
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
LA REVANCHE DEL TANGO
terça-feira, 26 de agosto de 2008
LICENÇA PARA SER CLICHÊ
Tempos estranhos por aqui. Prozac ou Gugu, uma felicidade idiota nos sorrisos clareados. Conversas de elevador sufocam de perfume francês as sete da manhã. Espremida, minha vida rende piadas no bar e linhas irônicas. Há algo de fantástico nisso, eu acho, me disseram. Nem lembro se foi este ano. Tenho uma pilha de livros para ler e não saio dos sebos da redondeza. Acho tudo muito barato e bonito, basta andar por aí para se ver. Se ao menos eu gostasse de colocar pôsteres no quarto...Mas não, até as fotos eu tirei.
Esquecendo de esquecer, eu lembro cada dia mais. Eu posso dizer “Ô gente chata ducaralho”, mas prefiro pedir uma cerveja e sorrir. Abraço algumas pessoas e penso se elas podem estar realmente vivas fedendo daquele jeito. Tenho milhares de opções mas fico só com três. E ainda quero me livrar destas. Passo o ponto.
terça-feira, 19 de agosto de 2008
A OBVIEDADE DO AMOR
Queridos, o restante do conto está todinho no novo endereço que publico, passem por lá: www.blonicas.zip.net
quarta-feira, 6 de agosto de 2008
PAPEL CARBONO
E se você não as compreendesse, eu as imprimiria através de beijos de brasas e fome por todo seu corpo.
Quem sabe tiraria você para dançar aquela música sussurrada e profana que percorre as esquinas e que somente nós ouviríamos.
Eu pertenceria a você dissolvida em seu sangue, em seu gozo e em sua saliva.
E dali eu nasceria todo dia como o sorriso que você marcou no carbono da minha emoção. E saberia.
Eu derramarei uma lágrima pesada se isto, daquelas de olho que não quer fechar. De algo que não deseja doer.
quarta-feira, 23 de julho de 2008
BUNDAS SIAMESAS
(Uma odisséia sobre mulheres de seios fartos e ancas largas
Parte I
Um dia quente, úmido, abafado e viscoso, a roupa colava no corpo. Até as paredes suavam. Cássia Alessandra, enorme, deitada na cama observava a chuva se formando ao longe. A camisola de gestante grudava no corpo. Ela fechou os olhos e rezou para que suas bebês resolvessem nascer logo. Mesmo que fosse naquele dia, e o dilúvio que ameaçava a terra caísse e levasse todas as casas da rua. Por bem, ou por mal, já não agüentava mais a gestação pesada de duas crianças. Olhou seu corpo disforme e inchado, e da maneira que estava recostada no travesseiro não via sequer o dedão do pé. Apenas enxergava a imensa lua de sua barriga. Estendeu os braços e sentiu o suor escorrer de sua axila, alcançou o copo d água sobre o criado-mudo. Esse esforço foi o suficiente para que a bolsa rompesse e inundasse o colchão. Adelino, o marido, saiu correndo em busca de sua mulher que berrava “vai nascer, vai nascer”, largando a TV ligada e o final do campeonato brasileiro.
No hospital, depois de anestesia, choro e desmaios, cortaram a barriga para de lá tirarem o que chamam na ciência bizarra de xifópagas. Se não bastassem gêmeas idênticas, ainda eram grudadas. E o mais curioso é que as bebês uniam-se pelas nádegas. Melhor dizendo, cada uma tinha sua nádega, isto é, cada uma tinha seu ânus, porém na altura da carne que forma a protuberância chamada “bunda”, quase nas costas, elas estavam grudadinhas. Seu Adelino rezou e pediu perdão; Cássia Alessandra fez promessa. As bebês passaram por cinco minutos no jornal da noite na TV, a mãe chorou e o pai apenas pediu ajuda. O Bairro comovido fez novena e procissão. No final, Karla Adriana e Keila Cristina – já registradas no cartório da região - foram separadas e a nádega comum foi igualmente divida.
O pai muito preocupado com toda a repercussão, logo tratou de estabelecer medidas que atenuassem o trauma que toda a situação poderia infligir em suas meninas. Assim, desde cedo, Adelino colocava sapatos pesados – que ele próprio criara em sua oficina - para que as meninas forçassem a musculatura dos glúteos de forma que essa se hiper-desenvolvesse. Adelino sabia bem como mulheres ‘sem bunda’ eram preteridas na sociedade. Desta maneira, utilizou de todos os artifícios para que nunca alguém na rua apontasse para suas meninas e as ridicularizasse por compartilharem a mesma bunda, pouco restando então a cada uma.
As gêmeas bundanesas, as mulheres mais fartas e ancudas da história da cidade, estavam livres.
terça-feira, 15 de julho de 2008
Corredor e baratas numa noite insone
Apartamento número 12. Meia noite e trinta minutos.
Sueli revira na cama, fuma e esquece as baratas.
domingo, 13 de julho de 2008
COLOSTRO
Eu, discreto num canto, enganava o sono e tentava me entrosar ao ambiente, embora desconfiado de que não possuía muito jeito pra esses momentos sociais. Meu talento, como se diz, sempre se resumiu a disfarçar o meu desapego e o meu distanciamento em relação às formalidades e/ou obrigações. Levei a vida na xinxa, na minha, como quem não entendeu o recado muito bem.
O caso, no entanto, é que minha esposa, por demais inteligente e carinhosa, estava a duas horas sentada na cadeira ao lado, com a barriga imensa, atenta a qualquer explicação. Eu a olhava com aqueles olhos miúdos e me achava um tanto culpado por não entender tudo o que a palestrante lá na frente dizia. Eram termos novos, difíceis pra mim, e eu me sentia como se estivesse numa reunião da NASA, todas aquelas mulheres sendo um pouco astrônomos ou astronautas geniais.
- E o colostro, alguém sabe dizer porquê é tão importante para o recém-nascido?
Ninguém sabia, mas também não tinha importância, era a hora do intervalo. Numa sala ao lado, sucos e salgadinhos esperavam pelas ansiosas e esfomeadas gestantes. Garçons distribuíam copos e guardanapos. Num canto, uma senhora cortava e colocava em pratos plásticos alguns pedaços de bolo. Tudo havia sido preparado com muito capricho, carinho. E então aqueles pingüins de batas e vestidos estufados aproximaram-se, curvaram-se sobre a mesa e em menos de cinco minutos não havia mais nada ali, apenas farelos e papel. A sala recendia a Hiroshima após a grande bomba. Coisas da vida. Num banco de madeira que ficava perto da mesa de sucos, minha esposa conversava com algumas novas amigas – pratinhos no colo, boca cheia, resto de queijo na ponta do nariz. Eu, discretamente, mordisquei uma empadinha de ricota, fria e quase sem gosto, numas de interagir.
quinta-feira, 10 de julho de 2008
Jukebox
Eu não sei, são tantos e todos os eventos na vida do ser humano. Tantas peças, nunca soube juntá-las. Nem sequer as minhas. Vide essa mala, sempre de lá pra cá, semi-aberta. Nada que carrego. Um vestido, uma sandália e uma caixinha de lembrar. E mesmo assim a mala parece tão pesada e pequena. Vai entender.
E você diante de mim, agora, segurando o copo de alma selada. Sem nada falar. Mas, o único mistério, é essa sombra maior que seu corpo projeta na minha existência. E eu fico aqui, apagada, protegendo a mala da gente estranha desse bar na estação de trem. É madrugada, fria, gelando a ponta do nariz e doendo no coração. Eu tento decifrar, mas apenas me perco em considerações pessoais. Sobre você, tudo é tão simples que dói. Então, só me resta fantasiar alguma teoria louca, sobre o cinza das nuvens de inverno. Aqueles dias sem fim de frio e pouca cor. Como essa vida que mora atrás do teu olhar. Nessa maldita madrugada.
Gasto um pouco de todo o dinheiro que tenho - contado para não morrer tão cedo – e coloco uma música na jukebox. Chamo você para dançar, não falo, apenas estendo a mão e te lambo com o olhar. Você me conforta no peito, e mexe as pernas muito devagar. Nós nos despedimos assim.
Sem encontrar o nosso passo.