sexta-feira, 16 de maio de 2008

anos 70 na casa da minha avó

Minha avó Hilza bebia uísque nacional, Drurys ou Old Eight, e usava umas camisas estampadas com desenhos de flores, araras e florestas tropicais. As camisas pareciam batas, com as golas e as pontas das mangas feitas com tecidos lisos, de uma outra cor. E ela gostava dessas batas, andava pra lá e pra cá, toda colorida. Os filhos a chamavam respeitosamente de “A Velha”, e pode-se dizer que era uma velha bacana – do palavreado, coisas bonitas e espirituosas, simples também, e a Pantera cor de rosa passando na tv, o buraco com as comadres, o time do coração estampado no fundo do cinzeiro e ela a sorrir, talvez lembrando das ruas do Jorro, pra onde ia com a parentada no verão: as ruas de barro e o sertão, mingau de milho, tapioca, feira de manhã.
Das lembranças muito nítidas, um tapa por quebrar um jarro, a gaveta do guarda-roupa com os sacos de balas Soft e de chocolate, a cozinha sempre cheia e lá fora o quintal, grande, com rex amarrado num canto e os pés de acerola, carambola e biri-birí. Havia também a mesa farta, de gente e de comida, e a troca de pratos e conversa que não acabava mais. Dias bons, anos bons, o mundo possivelmente tinha mais serenidade e inocência.
Meu avô por essa época andava nas roças, cuidando dos negócios da família e de outros também. Nas horas vagas, aparecia. A velha, que tinha o coração mole e grande, aceitava-o com o melhor sorriso. E então nesse dia fazia sol, e de uma hora para outra as balas Soft surgiam como num passe de mágica, e havia sempre futebol na tv, pudim de leite com calda de ameixa sobre a mesa, acerolas no quintal, Rex fugindo para a rua e a impressão de que essa vida corrida, ingrata e por vezes louca estaria sempre aqui, na palma da minha mão.


Rodrigo Melo

6 comentários:

Anônimo disse...

Olha só... eu também já bebi Drurys - bebida que para alguns só servem pra acender churrasqueira! Mas pra mim, era uma forma de manter o prazer da irrealidade e abraçar pensamentos e encontrei em teu texto e em tua avó esse pedaço de saudade e tranquilidade que a vida moderna e ligeira nos fazem esquecer.
Abração

Bianca Rosolem disse...

Eu quase sufoquei com balas Soft diversas vezes.

Soft?!

Bjo*

Bi

suturasoturna disse...

Pueri

Ser louco
a ponto de regressar.
Ser criança
em todos os sentidos.
Conversar,
com o ar,
falar.

Peito e crânio
melhores amigos.
No asfalto,
o mar imaginar.

Delirar inmaturamente com a visão.
Olhar infantilmente com o tato.
Tocar ingenuamente com a audição.
Escutar insolentemente com o olfato.
Cheirar inocentemente com o paladar.
Degustar incondicionalmente o amar.

Ser criança a todo momento.
Jogar ações ao vento.

Sem cicatrizes nos atos.
Sem pensamento nos fatos.
Não ter o poder de julgar.
Perder a noção de culpar.
Castrar
o que chamam pensar.
Chorar
para se comunicar.
Viver de ensinamentos, eterno aprendiz.
Escutar o que se diz.
ReNascer todo instante
para manter-se feliz.

Erika disse...

Já disse que adoro avós lá no outro comentário.Adoro balas softs, e nunca me engasguei com nenhuma.Sempre fui neurótica, então degustava a tal bala com o máximo de cuidado possivel.Da casa da minha bisavó, já que a avó morava comigo, eu me lembro do jardim que tinha umas flores azuis, e aquilo eu achava o máximo, das roseiras que ela morria de ciúme, da cadeira de balanço do meu bisavô que um belo dia ela ( a bisavó "retada") mandou tirar os pés para parar de balançar, dos quartos quentes, porém muito aconchegantes, dos móveis antigos, do bolo, do sorvete , e dos biscoitos de nata e cerveja que a minha tia fazia.Lembro também do pé de morango que ela tinha num caqueiro e do pé de manga da casa do vizinho...Bom, as mangas caiam na varanda da minha vó..paciência!Lembro das reuniões de familia com muito cafezinho beeem amargo, e dos meus primos mais velhos...Enfim...as minhas melhores e maiores lembranças da infância se referem a casa da minha vovó Cecé.Mas isso virou quase um post, e é um comentário pro teu texto..Resumindo, ai vem a parte que lhe interessa: ADORO SEUS TEXTOS! SUCESSO.

ps.:Não se empolgue.Jamais lhe mandarei cheques em branco ou chocolates.No máximo uma bala soft!

Anônimo disse...

A pouco tempo, não sei se ontem ou anteontem, também lembrei das camisas estampadas.

Andréa Tambone Menezes disse...

Vovó era isso mesmo...lembro também das "galinhas-gordas" que ela fazia com as tais balas Soft, na promessa de ficarmos quietinhos enquanto tirava sua soneca à tarde e dizia: "O que é que vovó quer??" e nós respodíamos: "Dormir!!!" Bons tempos..