quinta-feira, 30 de outubro de 2008

depois que a Lúcia morreu

Dia 13/10

Roberto, meu querido, acabei de chegar de salvador. Não sei o que acontece, mas a cada dia me sinto mais estranho naquela cidade. Muita gente, muitos carros, muito barulho, e tudo é tão caro, tão longe...desta vez, fui para dar um jeito na situação da Melissa. Na verdade, fui para ver como é que ela tá mesmo. Parece que se desentendeu com a dona do pensionato em que está morando e cismou que não quer mais ficar por lá. Coisas da sua afilhada, você conhece bem. De uma hora pra outra,k sem avisar, ficou cheia de opiniões. Os filhos crescem, né. De qualquer forma, se a Lúcia estivesse viva, garanto que situações assim não aconteceriam. Consegui um outro lugar, mais caro um pouco. Falta ela dar uma olhada pra ver se aprova. Talvez na próxima semana. Quase não tem tempo, a coitada, vive na casa de colegas, fazendo trabalhos. Aproveitei que estava na capital, como a gente falava antigamente, e fiz uns exames. Recebo pelo correio quando estiverem prontos. Modernidades. Desconfio que não estou muito mal, só essa tosse que incomoda, mas é sempre bom dar uma checada. Bom, tô ligando mesmo é pra lembrar daquele nosso esquema de domingo que vem. Tá de pé ainda?

Dia 15/10

Roberto, você não imagina quem apareceu aqui em casa hoje. Dona Miriam. Está bem acabadinha, mas a memória continua boa. Falou de mamãe, dos lençóis de retalhos que as duas faziam na varanda da nossa casa e de como nós aprontávamos naquela época. Está morando com uma filha, acho que a mais nova, Soraya. Encontrei com as duas no supermercado. Não esperava que aparecesse. Mas talvez tenha sido bom. Gosto das reminiscências. Quando ia embora, me abraçou e disse que eu estava a cara de papai. Achei estranho. Sempre me pareci mais com mamãe, era o que diziam. Não importa. Estou aqui me preparando para para ver o jogo do Brasil na tv. Depois que mudaram aquele zagueiro, parece que a coisa melhorou. Mas ainda não tô satisfeito. Hoje em dia parece que jogador não tem mais amor à camisa. E o esquema de domingo? Dá um retorno.

Dia 17/10

Roberto, sou eu. Tenho pensado muito nessa coisa de estar parecido com papai. Mesmo que eu parecesse mais com mamãe quando novo, é possível que, com o passar dos anos, certas feições que herdei de papai tenham se acentuado. Há muitos casos assim. Sei mesmo de uma família que, quanto mais o tempo passa, mais eles se parecem. Fiquei boa parte da manhã de frente pro espelho. Acho que meus olhos são mais puxados agora. Talvez seja problema de vista, não sei. Você deve estar achando essa conversa meio estranha, mas realmente estou convencido de que alguma mudança aconteceu. O que é que você acha? Me liga aí, porra...

Dia 18/10

Roberto, meu irmão, parece que nunca te encontro em casa, por onde é que anda? Tenho uns assuntos para conversar, saber sua opinião. A Melissa ligou ontem de noite. Diz que não quer mais ir para o pensionato que arranjei, vai dividir um apartamento com mais duas amigas. Tentei explicar que a situação está meio complicada, que já tinha a mensalidade da faculdade, mas ela fez um drama enorme, chegou a dizer que eu não a amava e que se a Lúcia estivesse viva iria entendê-la. Eu sei que não, mas não quis discutir. Vou me apertar, mas fazer o quê, não é mesmo? Coisas da vida. Por falar em aperto, viu o jogo do Brasil? Porcaria de time aquele. Se pudesse, mandaria todo mundo pro oriente, lá praquele lugar onde se toma chicotada quando se joga mal. Brincadeira, há,há... mas que a gente passa raiva, isso passa. E pensar que quando éramos moleques tínhamos um orgulho danado dessa camisa. Olha, sobre o esquema de amanhã, queria um retorno seu pra dizer o que é preciso comprar. Tenho pensado muito nessa viagem, mas nunca fui bom de organizar coisas, você sabe, fico apenas imaginando a gente lá, pescando robalo no cais, abrindo a casa velha, olhando as coisas que ficaram e sentando na varanda pra tomar uma cerveja e olhar o rio. Sempre fui meio sentimental, saudosista, você sabe, e depois que a Lúcia morreu fiquei um tanto sem chão. Difícil explicar assim. Sua natureza sempre foi diferente da minha, mais forte, auto-suficiente. Mas não quero te encher com os meus problemas. No domingo, iremos lá, será um dia apenas para matar a saudade. Vai ser ótimo, rapaz. Me liga tão logo chegue em casa, ta? Valeu... ah, outra coisa: Dona Miriam veio ontem outra vez, tocou a campainha durante uns cinco minutos, mas eu não atendi. Não sei porquê. O problema foi segurar a vontade de tossir. Coloquei uma toalha no rosto, mas achei que ela, mesmo assim, estava escutando. Fiquei sem saber se escutou realmente. Se encontrá-la no supermercado, digo que estava com uma gripe ou qualquer coisa do tipo. Bom, era isso. Se puder, dá um retorno. Mas acho que posso ir adiantando alguns detalhes antes de você ligar...



Rodrigo Melo

4 comentários:

Anônimo disse...

O velho Rodrigo
algumas coisa são sempre as mesmas
mesmo que mudem.

Martha

::Soda Cáustica:: disse...

Rodrigo,
Engraçado, tenho a sensação que te conheço de algum lugar. Sou baiana tb, vc tem a maior cara que frequentava o Rio Vermelho.
Adoro teus textos.
Qualquer dia, passa no meu blog:

www.rockcaustico.blogspot.com

Bjs
viveca

De disse...

Adoro Salvador.
Costumo viajar para lá todo mês de maio e depois passar uns dias em Morro de São Paulo.
Mas às vezes vou pra lá a trabalho também, o que é ótimo.
Mas notei que de uns anos para cá é só engarrafamento, muita gente nas ruas, tá ficando igual ao ruim do Rio.
É uma pena, mas não vou deixar de ir para lá porque aquela cidade é mágica para mim.
Por sinal estarei em Salvador agora do dia 12 ao dia 15 de fevereiro e espero que não esteja tão quente como aqui.
Denise Soares Miranda, Rio de Janeiro, RJ

Wilfredo Lessa disse...

porra man,me senti olhando p/ trás e tossindo junto com aquele sujeito,esse é o contisa que eu sempre espero de vc, e a distância,sempre a bendita distância...