quarta-feira, 23 de julho de 2008

BUNDAS SIAMESAS

(Uma odisséia sobre mulheres de seios fartos e ancas largas)

Parte I

Um dia quente, úmido, abafado e viscoso, a roupa colava no corpo. Até as paredes suavam. Cássia Alessandra, enorme, deitada na cama observava a chuva se formando ao longe. A camisola de gestante grudava no corpo. Ela fechou os olhos e rezou para que suas bebês resolvessem nascer logo. Mesmo que fosse naquele dia, e o dilúvio que ameaçava a terra caísse e levasse todas as casas da rua. Por bem, ou por mal, já não agüentava mais a gestação pesada de duas crianças. Olhou seu corpo disforme e inchado, e da maneira que estava recostada no travesseiro não via sequer o dedão do pé. Apenas enxergava a imensa lua de sua barriga. Estendeu os braços e sentiu o suor escorrer de sua axila, alcançou o copo d água sobre o criado-mudo. Esse esforço foi o suficiente para que a bolsa rompesse e inundasse o colchão. Adelino, o marido, saiu correndo em busca de sua mulher que berrava “vai nascer, vai nascer”, largando a TV ligada e o final do campeonato brasileiro.
No hospital, depois de anestesia, choro e desmaios, cortaram a barriga para de lá tirarem o que chamam na ciência bizarra de xifópagas. Se não bastassem gêmeas idênticas, ainda eram grudadas. E o mais curioso é que as bebês uniam-se pelas nádegas. Melhor dizendo, cada uma tinha sua nádega, isto é, cada uma tinha seu ânus, porém na altura da carne que forma a protuberância chamada “bunda”, quase nas costas, elas estavam grudadinhas. Seu Adelino rezou e pediu perdão; Cássia Alessandra fez promessa. As bebês passaram por cinco minutos no jornal da noite na TV, a mãe chorou e o pai apenas pediu ajuda. O Bairro comovido fez novena e procissão. No final, Karla Adriana e Keila Cristina – já registradas no cartório da região - foram separadas e a nádega comum foi igualmente divida.
O pai muito preocupado com toda a repercussão, logo tratou de estabelecer medidas que atenuassem o trauma que toda a situação poderia infligir em suas meninas. Assim, desde cedo, Adelino colocava sapatos pesados – que ele próprio criara em sua oficina - para que as meninas forçassem a musculatura dos glúteos de forma que essa se hiper-desenvolvesse. Adelino sabia bem como mulheres ‘sem bunda’ eram preteridas na sociedade. Desta maneira, utilizou de todos os artifícios para que nunca alguém na rua apontasse para suas meninas e as ridicularizasse por compartilharem a mesma bunda, pouco restando então a cada uma.
Alimentação rigorosa, com muita proteína, leite, e claras de ovo, ainda exercícios localizados, constituía a rotina das meninas. A mãe nunca mais pensou em ter outros filhos, pois acreditava que seu ventre era amaldiçoado. Foi perdendo o juízo, e terminou no quarto dos fundos, antes a oficina de Adelino, bordando roupas para a Igreja enquanto cantava hinos evangélicos.
Mesmo a mãe ausente e um pai onipresente, não impediram que as gêmeas desfrutassem de sua condição. Viviam de troca com os pais, sendo que por meses eles tomavam Karla por Keila e vice-versa. Assim, era na escola, nas brincadeiras da rua, e mais tarde, nos primeiros namorinhos de mão.
Logo, quando com 14 anos a obstinação de Adelino mostrou seu resultado. Todos os rapazes da rua queriam namorar as Gêmeas Bundanesas, como então ficaram conhecidas. Nessa idade já eram madrinhas do bloco de carnaval e o pai batia palmas, orgulhoso, quando elas desfilavam seus traseiros fartos – 116 centímentros – pelas ruas do bairro em minúsculo biquíni.
Porém, essa aparente conduta libertina do pai não ia além do exibicionismo do predicado das moças. As gêmeas bundanesas desfilavam micro shorts, vestidos e saias minúsculos, mas ninguém podia tocá-las sem expressa permissão. Esse misto de erotismo e proibição criou uma aura mágica em torno das gêmeas. Se não bastasse a sua condição de igualdade física, elas ainda desfrutavam de toda a mítica criada em suas vidas. Cientes de seu poder, elas causaram mais confusão que o comando criminoso que dominava a região.
Brigas, fins de casamento, até morte. As gêmeas bundanesas eram lenda na cidade inteira quando completaram dezoito anos. Na festa, Adelino, incrivelmente feliz, bebeu, comeu, sambou e quando já estava muito cansado sentiu o luto de sua mulher recriminando tanta alegria. Olhou para o quartinho fechado desde sua morte e então teve a impressão de que lá ela ainda estivesse. Cansado, dominado pelo sono, cochilou na cadeira.
Alguns minutos depois chamavam os bombeiros. Adelino morreu de olhos já fechados.

As gêmeas bundanesas, as mulheres mais fartas e ancudas da história da cidade, estavam livres.


3 comentários:

Anônimo disse...

sobre essas mulheres, minha avó diria: boas parideiras. beijo.

Anônimo disse...

parra, gostei para caraleo, hein.
/e adelino, tão inocente, feito a gente quando sofre demais,

Bianca Rosolem disse...

Caro RM em estado de estupefação,

Parra seria uma variação de porra, rs?!
Eu adorei, chamarei meu próxima peixe Beta de Parra, rs!

Sim, o Adelino é um homem brasileiro!

Mbjos,

Bi