domingo, 18 de julho de 2010

Miojo me ligou a meia hora dizendo que um amigo seu estava vindo para o bar.
- Ele e a mulher e a cunhada. Ensinei o caminho, daqui a pouco chegam aí.
- Vem de carro? – não sei porque perguntei isso.
- Acho que sim.
Às vezes não entendia Miojo. De fdp fofoqueiro num dia a divulgador filantrópico no outro. Ele e mais uns tantos. Mesmo a natureza humana sendo de difícil compreensão, ficava sempre achando que no quebra-cabeças de uma parte dessa turma faltava sempre uma peça ou outra pra encaixar.
Eram nove da noite e eu me sentia cansado. No céu, por entre duas nuvens, a lua apareceu amarela como a luz de um candeeiro. Era bonita, mas, por algum motivo, nunca me sensibilizava. Pensei que talvez não estivesse na sintonia certa. Ou, quem sabe, não fosse tão evoluído quanto a maioria. Bem possível que sim.
Depois que Miojo desligou, fui lá dentro, peguei três mesas, doze cadeiras e armei tudo na varanda. As mesas tinham manchas de cerveja e algumas cadeiras também, marcas de cigarros apagados, arranhões. Um tanto da culpa era minha, por simples desleixo, outro tanto pelo sadismo de uma parte da clientela. Se estou pagando, eles pensam, faço o que der na telha... Sempre existiu uma espécie de banda podre em todo lugar, mas a verdade é que eu andava de saco cheio de certas coisas, sobretudo dos bêbados exagerados e vulgares que viviam a fazer besteiras, achando que com isso se afirmavam como malandros, e, no dia seguinte, além de não lembrarem de nada, ainda por cima diziam que eu imaginava ou inventava coisas. O pior é que eles, geralmente, possuíam um poder tão grande de convencimento que, no fim das contas, quem acabava como o único culpado por toda a m... que faziam era eu. De qualquer forma, ainda resistia: forrei as mesas, limpei as cadeiras, fui até a cozinha e passei algumas cervejas da geladeira para o freezer, em seguida coloquei um cd do Otto pra tocar. Otto sempre agradava a mulherada. Depois disso sentei-me num dos bancos da varanda, acendi um cigarro e observei os carros subindo a ladeira.
Algum tempo depois o telefone tocou novamente. Era Altamiro querendo saber se o bar estava com movimento.
- Ninguém – respondi.
- Ninguém?
- É.
- ... Talvez dê uma passadinha por aí mais tarde.
E desligou.
Altamiro era outro que quase sempre deixava uma peça pra encaixar. Não pelo fato de que, provavelmente, não apareceria, mas porque vivia nessas de que era muito meu amigo sem, no entanto, ter intimidade o suficiente para isso. “Dia desses te dou uma vodka importada que ganhei, custa uns R$ 100,00”. E a pior coisa que poderia acontecer seria ele trazer essa tal vodka, justamente por eu não ter nenhuma. Talvez tivesse que aceitar.
A lua já estava afastando-se das nuvens e ganhando espaço quando escutei o barulho de um carro estacionar. Meia hora havia se passado e eu não dera conta. Talvez fosse o amigo de Miojo, com a mulher e a cunhada. Fui correndo até a cozinha, troquei o disco que já estava para acabar e me debrucei sobre o balcão como se a vida estivesse fácil e tudo sob controle. Vi surgir, então, subindo as escadas, a figura de Altamiro, com sua eterna pochete presa à cintura.
- Não pude deixar de conferir esta lua da sua varanda – ele disse.
- Está linda – respondi.
- Adoro ela assim, poética. Olha, separei sua vodka pra trazer, mas esqueci em cima da cômoda. Amanhã eu trago.
- Ok. Vai querer uma cerveja?
- Não. Na verdade, tenho que organizar umas coisas. Apareci somente te ver.
Então se aproximou e me abraçou. Fiquei sem jeito, claro, mas o que é que podia fazer? Depois disso me encararia e possivelmente diria que o meu semblante estava abatido ou qualquer coisa assim, e que, se estivesse com algum problema, poderia me abrir com ele. Eu não tinha nada para falar. Era estranha a situação, mas ele não perdia a pose. Talvez fosse um sujeito mais evoluído que eu. Da lua, pelo menos, ele gostava bem mais.
Depois de uns dez minutos de conversa, foi embora. E eu fiquei com aquela sensação de que faltou uma peça para completar.
Acendi um cigarro e fiquei sozinho a escutar a música tocar. Muitas vezes eu preferia assim.
Quando fui trocar o cd, olhei para o relógio na parede e descobri que já eram onze e dezessete. A noite é como a vida, pensei, passa num piscar e, quase sempre, muito pouco do que queríamos chegou a acontecer.
Recolhi as mesas, as cadeiras, tirei o disco que estava tocando e fechei o balcão. Eu era um comerciante atípico, mas isso não me incomodava. Quando estava descendo a ladeira, vi um casal acompanhado de uma outra mulher vindo na direção do bar. Talvez fosse o tal amigo de Miojo. Eu precisava de uns trocados. O que faria? Quando passaram por mim, quase sem sentir virei o rosto e olhei para o outro lado, procurando talvez algum acontecimento perdido na noite de Ilhéus. Não havia nada, exceto as vozes dos três e a lua, em parte escondida por uma nuvem com formato de uma luva de boxe. Diminuí o passo e fiquei a olhá-la, como se a admirasse, tentando parecer que era um pouco como todo mundo é.

R.M.

5 comentários:

Maria disse...

cara, você escreve tão bem... percebi as peças que faltam, embora não saiba explicar.

... quase muito do que queremos chega a acontecer.

e eu admiro a lua, mas ela nunca me impressionou mais que um céu infinito de estrelas.

Maria disse...

*quase muito POUCO do que queremos chega a contecer.

Marianne disse...

adorei, simples e genial!!

Yuri J. Sedrick disse...

É importante dizer que essa caneta sabe o que faz...

POBRE MEU BLOG disse...

Muito bom. Abraço. Sérgio.